Alguns pontos do projeto de lei antifacções: a questão da limitação da atuação da Polícia Federal
16 de Novembro, 21:10 por Will Willame

Por Rogério Tadeu Romano*
Dita o art. 144, parágrafo primeiro, da CF:
“§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
Veja-se o caso do crime de terrorismo. A quem compete a sua investigação e a competência para o seu julgamento?
O terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população, destinado a incutir medo, terror, com o objetivo de obter efeitos psicológicos que ultrapassem o círculo das vítimas.
Vem a discussão com relação a competência e a atribuição para investigar crimes envolvendo facções criminosas identificadas como terroristas.
“Segundo Gonçalez (2004), as facções criminosas podem ser definidas como grupos organizados que atuam de forma criminosa, estabelecendo normas, hierarquias e objetivos específicos, com o intuito de obter poder, controle territorial e benefícios econômicos através de atividades ilícitas. Essas organizações são caracterizadas por estruturas hierárquicas, regras internas rígidas e uma cultura própria, que estabelecem um sistema de poder e controle dentro do contexto criminal”(ORIENTANDO: GABRIELA MARIANA DE OLIVEIRA ORIENTADORA: PROF.ª MS. ISABEL DUARTE VALVERDE – Facções Criminosas, PUC – Goiás).
A Lei 13.260, de 16 de março de 2016, define o que é crime de terrorismo:
Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
Fala-se na equiparação das facções criminosas às terroristas.
No que se refere à competência em matéria penal, compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral ( CR/88, art. 109, IV).
O art. 11 da Lei 13.260/16 dispõe, categoricamente, que os crimes nela previstos são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento.
Portanto, é dado à Polícia Federal a atribuição para investigar esses crimes envolvendo o terrorismo, praticadas por facções criminosas.
A teor do artigo 70 do CPP a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. A regra é a fixação pelo local da consumação do crime ou no caso de tentativa é determinada pelo local do último ato de execução.
Mas há um substitutivo do deputado Guilherme Derrite) (PP-SP.) para o projeto que iguala as facções criminosas às terroristas.
Disse, para tanto, a Folha, em 11.11.25:
“O deputado Guilherme Derrite (PP-SP) apresentou na noite desta segunda-feira (10) um novo substitutivo que permite à Polícia Federal investigar facção, desde que aconteça em parceria ou comunicação prévia às autoridades estaduais.
O texto anterior excluía a Polícia Federal e o Ministério Público de investigações sobre crimes praticados por facções criminosas, milícias e grupos paramilitares ou poderia haver uma cooperação com aval do governador.
Apesar da mudança, a avaliação de especialistas e membros do governo é que a nova versão permanece com problemas.
Por certo não se pode esquecer o que acentuou o Estadão, em editorial, no dia 6.11.25: “Caso classifique as facções como grupos terroristas, o Congresso ainda criará um problema institucional gravíssimo. A competência para investigar e julgar terrorismo migraria para a esfera federal, deslocando inquéritos e ações penais das mãos de policiais, promotores e juízes estaduais que, há décadas, acumulam expertise no enfrentamento direto desses grupos criminosos.”
Segundo o texto, a Polícia Federal poderá participar das investigações, assim como qualquer delito ligado a essas organizações, em caráter integrativo com a polícia estadual.
A atuação da PF deverá ocorrer mediante solicitação do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual ou por iniciativa própria. No entanto, neste segundo caso, a corporação teria que comunicar a investigação às autoridades estaduais.
Tem-se que se o texto for aprovado como está, a Polícia Federal e o Ministério Público possam ser excluídos do combate ao crime organizado. Tudo por causa da redação do artigo 11 do substitutivo de Derrite.
Como acentuou reportagem do Estadão, em 11.11.25, Derrite propõe que crimes praticados por facções sejam equiparados a atos de terrorismo, não pela tipificação formal, mas pela gravidade dos danos provocados. “Os efeitos do crime organizado são equivalentes aos de um ato terrorista.” Ele defendeu o endurecimento das penas e a inclusão dos novos tipos penais na Lei de Crimes Hediondos, ampliando o tempo mínimo de cumprimento em regime fechado.”
O projeto de lei tem pontos importantes, como se extrai de reportagem apresentada pelo portal da Folha.
Para tanto, são criados os seguintes crimes:
Crime de domínio social estruturado (pena de 20 a 40 anos de prisão)
Há prática realizada por membros de organizações criminosas, paramilitares ou milícias privadas, de condutas como: utilizar violência para impor domínio sobre territórios; usar armas de fogo, explosivos ou agentes biológicos; dificultar a livre circulação de pessoas e serviços; obstruir a atuação das forças de segurança; impor controle social sobre atividades econômicas; praticar crimes contra instituições financeiras, carros fortes; promover ataques contra instituições prisionais; ou sabotar meios de transporte e serviços públicos essenciais (energia, hospitais, aeroportos, bancos de dados).
Aumento de Pena
A pena pode ser aumentada de 1/2 a 2/3 se o agente exercer comando/liderança, financiar as condutas, usar violência contra vulneráveis (criança, idoso, agente de segurança) ou recrutar menores.
Trata-se de crime permanente que exige o dolo como elemento subjetivo do crime. È ainda crime de ação múltipla e de perigo.
Crime de favorecimento ao domínio social estruturado (pena de 12 a 20 anos de prisão)
Este crime é autônomo e consiste na prática de diversas condutas destinadas a apoiar ou auxiliar o domínio social estruturado ou a organização que o pratica. Fazem parte desse crime, por exemplo, promover ou fundar organização criminosa, paramilitar ou milícia, ou a eles aderir, assim como apoiá-los de qualquer forma, como dar abrigo ou auxiliar a quem tenha praticado ou esteja em via de praticar atos previsto na lei, entre outros pontos.
Trata-se de crime permanente que exige o dolo como elemento subjetivo do crime. È ainda crime de ação múltipla e de perigo.
Os crimes de domínio social estruturado e favorecimento de domínio social estruturado são considerados hediondos.
Hediondo significa algo horrível, repugnante, repulsivo.
Para o caso avulta o caráter repulsivo desses crimes hediondos.
Nesse ponto, a matéria está inicialmente prevista em lei extravagante, Lei nº 8.072/1990.
Na lição de Renato Brasileiro de Lima (Legislação criminal especial comentada: volume único. 8. ed. – Salvador: JusPODIVM,2020) tem-se que:
“A justificativa para o constituinte originário ter separado os crimes hediondos dos equiparados a hediondos está diretamente relacionada à necessidade de assegurar maior estabilidade na consideração destes últimos como crimes mais severamente punidos. Em outras palavras, a Constituição Federal autoriza expressamente que uma simples lei ordinária defina e indique quais crimes serão considerados hediondos. No entanto, para os equiparados a hediondos, o constituinte não deixou qualquer margem de discricionariedade para o legislador ordinário, na medida em que a própria Constituição Federal já impõe tratamento mais severo à tortura, ao tráfico de drogas e ao terrorismo.”
Os novos crimes são insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e livramento condicional.
É aumentada pena para crimes, por exemplo, como homicídio (20 a 40 anos), latrocínio (20 a 40 anos), quando cometidos por integrantes de organizações criminosas no contexto das condutas previstas no crime de domínio social estruturado. Há também mudanças em outros tipos penais.
É inconstitucional a vedação do benefício de auxílio-reclusão para dependentes de presos (cautelarmente ou em regime fechado/semiaberto) por esse crime não terão direito à concessão do benefício de auxílio-reclusão, pois a pena não pode passar da pessoa do criminoso.
O projeto prevê o tempo necessário para a progressão de regime, que pode variar de 70% da pena quando houver crime hediondo e ser réu primário até 85% da pena quando o preso for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado de morte.
O texto prevê que o cumprimento de pena em presídio federal de segurança máxima se dê quando houver indícios concretos de que exerça liderança, chefia ou integre núcleo de comando de organização criminosa, paramilitar ou milícia privada em casos estabelecidos nos crimes retratados por ela.
É inconstitucional o dispositivo que trata dos encontros em parlatório ou virtuais entre presos vinculados a organizações criminosas e seus visitantes poderão ser monitorados por captação audiovisual e gravação, mediante autorização judicial., quando envolvendo dialógicos monitorados entre o advogado e o preso, pois isso afronta ao livre direito de defesa.
O relatório citado institui o Banco Nacional de Organizações Criminosas, Paramilitares ou Milícias Privadas, e obriga a criação de bancos estaduais, que devem ser interoperáveis.
O projeto fala ainda em perdimento de bens: Visa a extinção dos direitos de posse e propriedade sobre bens que sejam produto ou proveito, direto ou indireto, de atividade ilícita relacionada a organizações criminosas, associação criminosa, milícia privada. O juiz, o Ministério Público ou o delegado de polícia podem atuar para bloquear e sequestrar ativos antes da condenação definitiva, com o objetivo de impedir que os membros das organizações dilapidem o patrimônio criminoso. A pena de perdimento de bens é uma das mais gravosas sanções administrativas aduaneiras previstas no ordenamento jurídico pátrio.
É certo, que, no passado, já se entendeu que “os efeitos da pena de perdimento imposta pelo Ministro da Fazenda a veículo utilizado para o transporte de mercadoria contrabandeada independem de decisão judicial na Justiça Federal (TFR – MS – Relator Otto Rocha, EJTFR 53/19).
Assim tem-se que os artigos 91 e 92 do CP tratam dos efeitos extrapenais da condenação. No primeiro dispositivo estão enumerados os efeitos chamados genéricos decorrentes de toda a condenação. No segundo, os efeitos específicos, que só são produzidos por condenação pela prática de certos crimes em determinadas circunstâncias como especificado no artigo 92. Esses efeitos específicos diz a lei “não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença (artigo 92, parágrafo único). Por regra de hermenêutica, tem-se que se a lei declara que os segundos não são automáticos, devendo ser declarados na sentença, os primeiros decorrem automaticamente da decisão condenatória, sem a necessidade de qualquer declaração. Veja-se, nesse entendimento Mirabete (Manual de direito penal, 1/395) e Celso Delmanto ( Código penal comentado, pág. 138).
Sabe-se que como regra, o produto do crime é objeto de apreensão. Assim ocorre quando a polícia, verificando que o agente esconde em sua casa o dinheiro levado de um banco, por exemplo, consegue mandado de busca e apreensão, invadindo o local para apropriar-se do produto do crime. Entretanto, no que toca ao proveito do delito, não cabe proceder á apreensão, pois normalmente já foi convertido em bens diversos, móveis ou imóveis, que possuem a aparência de coisas de origem lícita. De toda sorte, não se devem confundir a apreensão do produto do crime e o sequestro do proveito do delito com outras medidas assecuratórias, que são a hipoteca legal, para tornar indisponíveis bens imóveis e o arresto.
O perdimento de bens tem como finalidade a reparação do dano eventualmente causado. Isso significa que um dos pressupostos para aplicação da pena de perdimento é a existência de dano ao Erário, já que esta tem natureza de restituição, e não simples retribuição.
Percebe-se que o perdimento de bens possui unicamente a função de restituir o que deveria ser de propriedade do poder público. Ou seja, o ilícito e a reação do Estado, quando lesado, devem ser perfeitamente proporcionais, sob pena de existir enriquecimento sem causa da Fazenda Pública.
O perdimento de bens vem tratado no vocabulário brasileiro por confisco, que é “o ato punitivo em razão de contravenção ou crime praticado por uma pessoa, pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco seus pertences, através de ato administrativo ou por sentença judiciária fundados em lei”.
No vocabulário jurídico e na legislação geral o perdimento de bens recebe a denominação genérica de confisco.
Fala-se ainda no projeto de lei do uso de bens apreendidos: os bens móveis e imóveis apreendidos podem ser imediatamente afetados ao uso de órgãos de segurança pública e de persecução penal, até sua alienação definitiva. Os recursos provenientes da liquidação definitiva dos bens perdidos devem ser destinados ao Fundo Estadual ou Distrital de Segurança Pública. Afronta-se nesse ponto o princípio da presunção da inocência e ainda ao devido processo legal, que exige o pleno contraditório para a perda de bem.
Não há previsão no projeto, salvo melhor juízo, para instituição que acompanhe o chamado confisco alargado: Fala-se no chamado confisco alargado.
O modelo proposto é inspirado em sistemas penais estrangeiros, por exemplo, de Portugal, da Espanha e da Alemanha, onde o confisco alargado é utilizado.
Sobre ele já havia dito Roberto D’Oliveira Vieira (Pelo MP: confisco alargado):
“O confisco alargado tem por premissas: (i) a condenação da pessoa a um dos crimes elencados no artigo; (ii) a propriedade de patrimônio incompatível com a renda declarada; e (iii) a presunção de que tais bens foram adquiridos como resultado da atividade criminosa em relação a qual foi condenado. Assim a prática de um dos crimes definidos no § 1º permite a propositura de incidente demonstrando que o réu possui patrimônio incompatível com sua renda declarada e conhecida, inferindo-se, a partir daí, sua vinculação com a prática do crime imputado e o preenchimento do pressuposto de fato do confisco. Em seguida, o réu terá a oportunidade de demonstrar a origem lícita do bem, afastando a possibilidade de perda. “
O projeto fala na inelegibilidade: A Lei da Ficha Limpa será alterada para tornar inelegíveis aqueles que forem regularmente inseridos nos Bancos de Dados Nacional e Estaduais de Organizações Criminosas.
Permite-se a infiltração de colaborador em organização criminosa em casos específicos e detalha-se o procedimento para a criação e preservação de identidades fictícias para policiais infiltrados. Na legislação brasileira há o chamado flagrante diferido: O flagrante diferido é assim a possibilidade que a polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter maiores dados e informações a respeito do formato, componentes e atuação de uma organização criminosa.
Explicam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (Curso de Direito Processual Penal, 7ª edição, pág. 565), que mesmo diante da ocorrência da infração, pode-se deixar de atuar, no intuito da captura do maior número de infratores, ou da captação de um maior manancial probatório.
Seja como for, a redação apresentada pelo deputado Derrite representa um retrocesso no esforço de combate ao crime organizado.
Não se pode, em nome de cogitações político-partidárias, combater o crime organizado, colocar a Polícia Federal a reboque dos interesses de um governador.
Em razão disso, há evidente inconstitucionalidade no substituto apresentado pelo deputado Derrite, de São Paulo, pois a Constituição Federal acentua que a Polícia Federal tem atribuição para investigar crimes que tenham repercussão interestadual ou internacional. Isso é o que prescreve o art. 144, I, da CF.
A redação apresentada pelo deputado Derrite afronta ainda a determinação do plenário na ADPF das Favelas para que a corporação mantenha um inquérito permanente para investigar indícios de crimes com repercussão interestadual e internacional de organizações criminosas do Rio.
Repita-se que é inconstitucional condicionar a atuação da Polícia Federal no combate ao crime organizado a pedido do governo estadual ao Ministério da Justiça.
pena para crimes, por exemplo, como homicídio (20 a 40 anos), latrocínio (20 a 40 anos), quando cometidos por integrantes de organizações criminosas no contexto das condutas previstas no crime de Domínio Social Estruturado. Há também mudanças em outros tipos penais.
Há, outrossim, discussões com relação a destinação dos recursos que foram obtidos nas operações: segundo revelou o Estadão, em sua edição no dia 13.11.25:”No novo parecer, Derrite diz que bens apreendidos devem ir para o Fundo de Segurança Pública do respectivo Estado, se o crime estiver investigado pelas autoridades locais; e ao Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal (Funapol), se o delito for investigado pela Polícia Federal. Se houver atuação conjunta, o recurso é dividido igualmente.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, havia dito, mais cedo, que o relatório anterior de Derrite promovia uma “descapitalização” da PF ao direcionar recursos de fundos federais e destiná-los aos Estados. “O relator voltou atrás em não retirar as atribuições da Polícia Federal, mas deixou a descapitalização da Polícia Federal, ao esvaziar todos os fundos federais”, afirmou a ministra.”
Por fim, falo com relação a mudanças na chamada “audiência de custódia”.
Sobre isso trago à colação informação do portal agência Brasil, em 12.11.25:
“elator do chamado Projeto Antifacção, o deputado federal Guilherme Derrite (PL-SP) defendeu mudanças na forma como são conduzidas as audiências de custódia – ato processual que garante que toda pessoa presa em flagrante ou por força de um mandado judicial seja ouvida por um juiz em, no máximo, 24 horas.
No passado, o ex-secretário de Segurança já dizia ser favorável a restringir os casos em que o detento tem direito a passar por audiência de custódia, mas não de extingui-la.”
Observe=se o que se disse no portal CNN, em 25.5.25:
‘ Derrite defendeu a extinção da audiência de custódia no país, apontando que o procedimento tem gerado impunidade, liberando criminosos que deveriam permanecer presos:
‘Tinha que ter uma lei regulamentando a audiência de custódia. E quem poderia ter acesso à audiência de custódia? Aqueles que são réu primário e que não cometem crimes hediondos ou equiparados ou crimes graves mediante violência ou grave ameaça”
A chamada audiência de custódia é um direito subjetivo do preso em flagrante ou em outra qualquer forma de prisão provisória.
O art. 13 da Resolução 213/2015 do CNJ assim prescreveu:
“Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução.
Parágrafo único. Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.”
Nesse ponto lembrou Thiago Henrique Boaventura (Tu do o que você precisa saber sobre a audiência de custódia, in Ius Brasil):
“O dispositivo em epígrafe determina que, além da prisão em flagrante, o alvo da prisão cautelar ou definitiva deve, no mesmo prazo, ser apresentado a autoridade judicial, “aplicando-se, no que couber”, os procedimentos previstos na Resolução.”
A realização da audiência de custódia (ou de apresentação) como direito subjetivo da pessoa submetida à prisão. Direito fundamental reconhecido pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 7, n. 5) e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 9, n. 3).
Há um reconhecimento ( ADPF 347-MC/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO) da imprescindibilidade da audiência de custódia (ou de apresentação) como expressão do dever do Estado brasileiro de cumprir, fielmente, os compromissos assumidos na ordem internacional.
Destaco o que foi dito em julgamento do STF no julgamento da medida cautelar no HC 187225- GO:
Toda pessoa que sofra prisão em flagrante qualquer que tenha sido a motivação ou a natureza do ato criminoso, mesmo que se trate de delito hediondo deve ser obrigatoriamente conduzida, sem demora, à presença da autoridade judiciária competente, para que esta, ouvindo o custodiado sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão e examinando, ainda, os aspectos de legalidade formal e material do auto de prisão em flagrante, possa (a) relaxar a prisão, se constatar a ilegalidade do flagrante ( CPP, art. 310, I), (b) conceder liberdade provisória, se estiverem ausentes as situações referidas no art. 312 do Código de Processo Penal ou se incidirem, na espécie, quaisquer das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal ( CPP, art. 310, III), ou, ainda, (c) converter o flagrante em prisão preventiva, se presentes os requisitos dos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal ( CPP, art. 310, II). A audiência de custódia (ou de apresentação) que deve ser obrigatoriamente realizada com a presença do custodiado, de seu Advogado constituído (ou membro da Defensoria Pública, se for o caso) e do representante do Ministério Público constitui direito público subjetivo, de caráter fundamental, assegurado por convenções internacionais de direitos humanos a que o Estado brasileiro aderiu (Convenção Americana de Direitos Humanos, Artigo 7, n. 5, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Artigo 9, n. 3) e que já se acham incorporadas ao plano do direito positivo interno de nosso País (Decreto nº 678/92 e Decreto nº 592/92, respectivamente),não se revelando lícito ao Poder Público transgredir essa essencial prerrogativa instituída em favor daqueles que venham a sofrer privação cautelar de sua liberdade individual. A imprescindibilidade da audiência de custódia (ou de apresentação) tem o beneplácito do magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal ( ADPF 347-MC/DF) e, também, do ordenamento positivo doméstico (Lei nº 13.964/2019 e Resolução CNJ nº 213/2015), não podendo deixar de realizar-se, ressalvada motivação idônea (Recomendação CNJ nº 62/2020, art. 8º, caput), sob pena de tríplice responsabilidade do magistrado que deixar de promovê-la ( CPP, art. 310, § 3º, na redação dada pela Lei nº 13.964/2019). Doutrina. Precedentes: Rcl 36.824-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g..”
Tem-se então que a audiência de custódia, como direito subjetivo do preso, é obrigatória, em 24 horas da prisão.
*É procurador da República com atuação no RN aposentado.
Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.
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